domingo, 23 de março de 2014

Memórias Ao Silêncio: Parte 0 - Réquiem







      Alguns dias se passaram desde que ela se foi. Eu realmente não sabia o que dizer ou o que fazer naquele momento de desespero. Eu estava congelado vendo a mulher que me ama sendo morta por aquela maldita doença. Eu me arrependo até hoje por ter te levado naquela festa. Na verdade, não por ter te levado na festa, e sim, por ter te mostrado aquela preciosidade. Mas do mesmo jeito que você ficou exposta a ela e acabou pegando essa doença, agora deve imaginar como estou me sentindo...
      Nos divertimos tanto naquela época. Eu via que você não tinha muitos amigos, e nem fora de ter. E mesmo assim você tentava de alguma forma se socializar com as pessoas. Mas era muito tímida pra isso. Então como um amigo eu me aproximei de você, para que tentasse mostrar que as coisas não eram tão difíceis como se pensava. Que dava pra viver sem se arrepender e se preocupar com nada. E esse foi meu erro. Talvez se eu não pensasse dessa forma, você estivesse aqui agora do meu lado, e eu não precisasse tá aqui na frente da sua lápide falando essas coisas. 
      Até hoje queria saber o que você pensava enquanto olhava eu correr fazendo educação física. Lembra ? Antes daquele jantar engraçado que tivemos. Quando você me olhava, eu fazia de tudo pra dá a impressão que não estava reparando em você. Reparando naquele seu cabelo longos até a cintura, pretos e radiantes mesmo que na sombra. Pelo visto, você odiava Educação Física. Mas no jantar você estava nervosa e não sabia comer o Sushi com os pauzinhos que estava ao seu dispor. Eu dei uma risada de leve, mas por algum motivo você não cheirou a comida antes de comer. O que eu esperava que você fizesse normalmente, já que era de interior. 
      Eu passei um mês longe tentando de alguma forma achar uma cura pra essa doença, mas não tinha nenhum resultado. Foi quando voltei e tivemos um trabalho em equipe. Eu lembro exatamente da sua cara bufando de raiva por causa das outras pessoas que não faziam nada. Eu sempre gostei de praia, e foi melhor ainda por que você estava lá comigo. Baixinha, pele branca.. brilhava mais que o sol (risos). Senti que você gostava do calor que meu corpo transmitia enquanto o seu corpo não parecia estar vivo. Todo o tempo você estava do meu lado, querendo se aquecer, mesmo com aquele sol aquecendo a praia toda. Foi um dos melhores dias que já tive, pois eu estava rindo à toda e lembrando de quando me vesti de abelha. Ainda bem que não levei aquilo com tanta seriedade. 
      Como que nem naquele dia em que você não foi para a faculdade, lembra ? Os professores acharam que eu, como representante, deveria saber o que tinha acontecido para a toda emprenhada Chris tivesse faltado as aulas dele. Então peguei seu endereço e fui direto pra sua casa. Fiquei surpreso ao ver você, de camisola, parada na minha frente, com aqueles olhos azuis claros, me encarando. Não queria ficar muito tempo do lado de fora, e pelo que eu tinha visto iria demorar pra me convidar à entrar. Dai eu entrei como se fosse minha casa. Eu estava nervoso e não sabia o que falar.
      Chato foi está sem assunto e ter que ficar vasculhando as suas fotos e coisas na sua casa enquanto pensava em algo pra falar que não te aborrecesse. E nada melhor do que "Por que você faltou hoje?". Era simples mas já era um começo. Então eu não resisti. Eu queria saber o gosto do seus lábios, queria saber como você era por debaixo daquela camisola. O quanto quente e fria você poderia ser. Porém você parecia está em outro lugar, em outro local, pálida... Mas logo quando consegui me aproximar de você, estranhamente você me negou sua presença e me mandou ir embora.
      Cada dia que se passava eu rezava pra que fosse apenas minha imaginação, mas no fundo eu sabia que era verdade e que deveria me apressar o mais rápido possível pra poder viver o tempo que nos restava junto com você. Eu odeio me lembrar de antes, do nosso passado lá naquelas provas. E principalmente naquela festa. Eu me arrependo profundamente de ter te colocado em tudo isso, Chris, mas eu juro que não foi por mal. Eu nem ao menos sabia disso. Pouco depois de você ir embora, eu descobri isso e meus pais já haviam falecidos.
      Então eu decidi que te chamaria pra sair. Pra uma praia novamente. Um Luau de casais e indiretamente disse para você que queria que você fosse minha parceira. Seriamos um casal. Teríamos, em alguma hora, um momento só nosso. Enquanto eu te aquecia em volta da fogueira, eu pensava no que iria te falar. Pensei também que pelo fato de termos estado no mesmo local na mesma hora durante a festa, nossas vidas acabariam na mesma hora e no mesmo local. Lembro que nesse dia olhei atentamente a lua, querendo gravar em minha memória, eternamente aquela imagem perfeita. Enquanto eu perguntava ao mesmo tempo o que diria para você, e esperando que as estrelas me respondesse mas como sempre, fiquei calado e não fiz nada. 
      E agora estou aqui falando tudo isso pra você. Mas não me resta muito o que dizer. Já não posso ver as rosas que deixaram aqui pra você, pois já não tenho mais visão. A única coisa que me restou foi minha voz, mas nem o meu corpo aguenta ficar em pé mais. Eu estou sangrando, e tremendo.. estou caindo perante sua lápide, como um pecado que não tem perdão. Então, como quem quer se sentir vivo uma última vez, eu acendi esse cigarro em nossa homenagem. A nós dois, que passamos por tantas coisas e sofremos calados. Acendo e apago depois de um longo trago, por respeito a você que não suportava fumantes e nem ao menos sabia que eu fumava. Eu sinto meus órgãos corroerem por dentro, e vou ficando cada vez mais vazio. Meu coração desacelera e vai cada vez batendo mais devagar. Te deixo aqui, essas rosas e espero que me perdoe por tudo de ruim que te fiz, e espero poder te encontrar do outro lado pra podermos ficar juntos, para sempre. 
      Eu ouvi o que eu queria naquele dia, e agora ouvi de novo, como se você estivesse aqui na minha frente, me deixando morrer em seus braços. 
      E isso, é tudo que eu posso te falar... Obrigado.

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